J. Rentes de Carvalho é um autor que não conhecia até me terem oferecido este livro “Com os Holandeses”. Talvez por estar a começar aqui um novo capítulo da minha vida, por estar imersa num novo país, quis avidamente ler a opinião de um conterrâneo Português sobre a Holanda. E foi um prazer e um vício lê-lo durante estes dias.
J. Rentes de Carvalho escreveu o livro em 1971 e tornou-se best-seller na Holanda e o facto seria de estranhar, uma vez que ele, e desculpem-me a expressão, parte a boca toda aos Holandeses. Mas fá-lo com um nível, com um conhecimento de causa e com um sentido de humor, que em momento algum roça a má educação ou a crítica gratuita. Pelo contrário, Rentes de Carvalho, como ele próprio vai referindo ao longo do livro, só poderia ter escrito este livro por gostar muito da Holanda e querer distanciar-se daqueles que apenas lhe escrevem as belezas para obter mais valias e proveitos daí. Nas próprias palavras do autor:
Defeitos? Não seriam humanos se os não tivessem, como é humano que eu lhes aponte alguns, os que mais me impressionam, mas com a modéstia de quem sabe não ser isento deles, e a perplexidade que causam a quem vem de longe.
Não tive olhos para as tulipas, os diques, a produção de queijo, as vacas da Frísia, os monumentos, os mestres da pintura. Para tudo isso e todos esses não faltam especialistas, e a minha intenção não foi preencher lacunas ou dar lições, mas o simples desejo de deixar um testemunho, sabendo de antemão que seria frágil.
Ao longo de vários capítulos, o autor explora a personalidade de um povo. Somos levados numa viagem pela personalidade do Holandês: os seus vícios, fraquezas e virtudes, o seu apego ao dinheiro, a sua visão sobre a religião, o “fanatismo” pelo associativismo e activismo missionário, a culinária (ou ausência dela!!!), a imprensa, a televisão, a juventude, a escola e a universidade. Rentes de Carvalho dá-nos uma visão sobre tudo aquilo que mais lhe chamou à atenção pelo negativo.
E para mim, o mais interessante foi ver espelhados hoje nos anos 2000 e muitos, muitas das coisas que J. Rentes de Carvalho aponta no livro em 1971. Grandes questões ou pequenos pormenores apontados pelo autor que ainda se encontram escancarados na sociedade de hoje, e que nos vamos deparando no dia-a-dia. Ao ver estas questão e depois de ler este livro, compreendo simultaneamente a vontade de galhofar, seguida de irritação profunda e vontade de desabafar.
Penso que a passagem seguinte mostra bem, como o livro é guiado pela crítica, mas também pela paixão ao País. Só a paixão ao País, permitiria a crítica verdadeira e bem intencionada.
Alguns estrangeiros que visitam Portugal, ao deixar que depois de um dia de sol o vinho lhes amacie a alma e o coração, quando ouvem pela primeira vez a melodia dolente do fado, ressentem um baque estranho, indefinível, que lhes enche os olhos de lágrimas.
Esse é o primeiro passo. A saudade aparece logo a seguir, e quem a ela se entrega só com esforço retorna à normalidade. Os portugueses, que recebem esse baque logo à nascença, vêem a sua vida regida por esse estranho sentimento, chegando alguns ao extremo de sentir saudade da saudade, o que lhes ocasiona mudanças repentinas de humor, fazendo-os passar sem aviso da alegria intensa à melancolia profunda. Outros, igualmente complicados, não podem evitar de sofrer já hoje da saudade que só no futuro deveriam sentir.
A essa última categoria pertenço eu. E assim me verão palmilhar as ruas de Amsterdam sem razão nem destino, envolto pela turba que passa ou meter pelos atalhos e as estradas da província, parando nos molhes, subindo aos diques, caminhando longamente pelas praias e pelos bosques. A temer pelo momento em que longe na Holanda, ela se torne para mim uma saudade.
Recomendo muito o livro, para quem quer conhecer o verdadeiro lado de um país, para além das tulipas, das socas, do red-light e afins. Vou também passar a seguir o autor no seu blog em: http://tempocontado.blogspot.nl/
Gostava de saber se entre as nossas virtudes e defeitos, se encontra a vontade de ler um livro hipotético chamado “Com os Portugueses” com a mesma visão critica do nosso povo, em que este se tornasse um best seller… Eu lia.
Sim, sem dúvida. Uma das virtudes apontada aos Holandeses é a sua capacidade de aceitar a crítica. Os Portugueses são possivelmente os primeiros e os últimos a poderem tecer uma crítica sobre o País ou sobre eles mesmos…caí muito mal quando alguém de fora vem comentar o quer que seja.