No século XVIII na Holanda oferecer um pássaro numa gaiola significava mais do que nos dia de hoje.
Por um lado, era uma prenda muito útil, porque os pássaros eram colocados em casa para servirem de indicadores da qualidade do ar, ou seja, como existiam divisões fechadas em si, junto a lareiras que serviam para aquecer todas as zonas mais interiores da casa, a qualidade do ar podia decrescer ao ponto de não ser saudável para as pessoas. Assim, se um passarinho fosse sobrevivendo, a qualidade do ar estava fantástica, se o passarinho esticasse o pernil, era momento de arejar a divisão.
Mas, um pássaro numa gaiola era mais do que isso. Era também uma alegoria ao amor, significando todos os sentimentos que até ao momento daquela oferta estavam vedados, escondidos, engaiolados no coração, e passaram a ter expressão. Assim, os enamorados mostravam as suas afeições e sentimentos!
Esta gaiola ao estilo Delftware, simboliza isso mesmo, uma vez que na sua base está um casal muito apaixonado à beira de um canal. Na altura quando a vi esta gaiola no Gemeentemuseum em Den Hague, achei-a de uma fragilidade e de uma beleza comovente, tirei-lhe uma fotografia à queima roupa, sem saber se era autorizado, e sem saber muito bem o que fazer com a fotografia.
O dia de hoje pareceu-me perfeito para a partilhar convosco. Feliz dia dos namorados!
Está o lascivo e doce passarinho
Com o biquinho as penas ordenando,
O verso sem medida, alegre e brando,
Despedindo no rústico raminho.
O cruel caçador, que do caminho
Se vem calado e manso desviando,
Com pronta vista a seta endireitando,
Lhe dá no Estígio Lago eterno ninho.
Desta arte o coração, que livre andava,
(Posto que já de longe destinado)
Onde menos temia, foi ferido.
Porque o Frecheiro cego me esperava,
Para que me tomasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.
Luís Vaz de Camões, in “Sonetos”