Tudo começou há uns bons meses atrás quando mostrei a uma amiga de uma amiga a sua nova cidade: Utrecht. Estava a fazer-lhe um pequeno tour da cidade onde vivo há 3 anos e que ia ser a sua nova cidade. Estava a contar-lhe todas as coisas que gosto na cidade e na Holanda e que achava que podiam ser uma boa ideia para ela experimentar nos primeiros tempos da sua estadia.
A pergunta chegou a mim de mansinho: “Qual é a tua “bucketlist“ Holandesa? No fundo o que é que te falta fazer que ainda não fizeste na Holanda?“ Vieram-me 3 coisas à cabeça (apesar de haver muitas ainda que gostaria de fazer): conhecer o Norte do país, caminhar na maré baixa nas ilhas do Norte e fazer os 4 dias de Nijmegen.
Os olhos dela sorriram e disse-me que quando ainda vivia no UK tinha participado 2 anos seguidos nas marchas de Nijmegen e que me aconselhava mesmo a fazê-lo! A ideia entusiasmou-me imediatamente, mas por outro lado fiquei muito apreensiva sobre a preparação física necessária para aguentar. Ela disse-me que era possível fazê-lo com pouca preparação e que não pensasse demasiado no assunto.
As marchas de Nijmegen são consideradas o maior evento de caminhada do mundo e celebraram em Julho de 2016 o seu centésimo aniversário. É um evento muito enraizado na cultura Holandesa e apesar de hoje em dia ser um evento tanto para civis como militares, começou por ser uma grande marcha militar. Ao longo dos anos, o governo queria promover a actividade física nas classes trabalhadora e escolheu a caminhada com um dos desportos mais acessíveis, numa altura com poucos recursos disponíveis. Depois veio a Segunda Guerra Mundial, e a Holanda ocupada foi proibida de caminhar em Nijmegen. Veio a libertação e a tradição dos quatro dias de Nijmegen renovou-se, cresceu e ganhou popularidade.
Durante os 4 dias existem 4 percursos definidos que são os mesmos todos os anos e são estruturados para diferentes distâncias. Homens até aos 60 anos têm que fazer 50km por dia e mulheres no mesmo segmento de idade 40km por dia. Quando a idade do caminhante passa um certo escalão, a distância diminiu para 40km ou 30km. Para mim seria portanto quase uma maratona por dia, durante 4 dias!!
Estava muito apreensiva quanto à minha capacidade física para aguentar esta aventura, mas inscrevi-me na mesma sem pensar muito, porque nunca pensei mesmo que conseguisse ter direito a um lugar!
Como a prova é tão tão popular, existem mais pessoas a inscreverem-se do que lugares disponiveis, então é feita uma lotaria nacional. Sempre achei que tanto eu, como o meu namorado, não iamos ter a “sorte“ de sermos os dois seleccionados. Mas o que não contámos foi com o facto da organização dar preferência a estrangeiros, porque quer atrair o máximo de participantes do mundo inteiro. E assim sem aviso, lá para Abril chegou a notícia que tinhamos os dois um lugar! Olhámos com mais atenção para a agenda e apercebemo-nos que tinhamos férias nessa altura e chegámos à conclusão que nunca teríamos outra oportunidade de participar na edição número 100 da maior marcha do mundo e fomos em frente.
O tempo que tivemos para preparação foi ridículamente curto, fizemos umas caminhadas de 2 horas no máximo por Utrecht. Quando comentavamos com amigos que iamos fazer a caminhada as reações dividiam-se: umas pessoas diziam-nos muito directamente que não iríamos conseguir, outros que era possível sem preparação, mas que ia custar. Desistir foi sempre como uma possibilidade aberto para mim, caso fosse demasiado desafiante.
Julho chegou num ápice, no meio de muitas outras coisas a acontecerem que nem me têm dado muito tempo ou energia para escrever aqui no blog, e começámos a finalizar preparativos para Nijmegen: tentar usar o máximo os sapatos de caminhada que usaríamos, comprar meias de boa qualidade, comprar pensos para as bolhas e mantimentos! Já tinhamos a nossa estadia organizada, com um quarto alugado para ficarmos na cidade. Tudo o resto iamos ver como funcionava in loco.
Para grande preocupação da organização durante estes quatro dias estava prevista uma onda de calor na Holanda. As temperaturas chegariam aos 36 graus! O primeiro dia começou para mim às 5 da manhã com um misto de ansiedade, alegria e nervosimo. Afinal era o primeiro dia da recruta e tudo aquilo era novo. Estava fresca, descansada e queria fazer grande parte da distância pelo fresco da manhã. Fiz tudo mal: andei rápido demais, descansei pouco, comi pouco e no final do dia, sentia que me tinha passado um autocarro por cima…quando cheguei só tinha forças para me atirar para cima de um pedaço de relva e esperar que a dor parasse…Honestamente não sabia como iria conseguir fazer tudo aquilo outra vez no segundo dia, e depois no terceiro e depois no quarto! como?!…achava que não tinha um pingo de força em mim nem sequer para caminhar até casa…
O final do primeiro dia
Enquanto estava esticada na relva a tentar ganhar algumas forças que me permitissem caminhar até casa, conheci um grupo de Holandeses já muito experimentados nestas andanças. A minha aprendizagem começou aí. Consegui reunir forças e ir até casa feliz por os ter conhecido. Não me perguntem como consegui ter forças para me levantar às 5 da amanhã no segundo dia e sair porta fora em direcção à partida.
As primeiras 4 horas da caminhada de todos os dias foram sempre as melhores. Caminhar pela fresca naquele ambiente de festa e no meio da natureza foi uma completa delícia. O avançar das horas e do tempo quente, dificultava sempre o final da caminhada. Nesse segundo dia, tive a felicidade de reencontrar uma das Holandesas que tinha conhecido no dia anterior. Conversámos durante horas e, entre outros tópicos de conversa, ensinou-me como gerir a energia, cansaço, comida, hidratação e as paragens.
Ela disse-me que não tinha dúvidas que eu iria conseguir terminar. Deu-me tanta força e ânimo, que sem ela acho que não teria conseguido fazer o segundo dia. Ao longo do caminho existem também outros milhares de pessoas que contribuem a cada passo para o nosso sucesso. Crianças oferecem doces, pepino e batatas fritas aos caminhantes, enquanto esperam que os soldados passem por eles e lhes ofereçam autocolantes e pequenos brinquedos.
Foto do dia 1 da representação militar Portuguesa em Nijmegen (que encontrei no terceiro dia!)
No terceiro dia, a metade do percurso encontrei três militares Portugueses. A companhia deles, a alegria de poder simplesmente conversar em Português enquanto caminhava, ajudou-me a completar o terceiro dia.
A festa do dia 4
E como quem não quer a coisa, o quarto dia estava à vista! O último dia, tão esperado por tanta gente. O dia em que se caminha pela longa avenida conhecida por Via Gladiola – a avenida dos Gladíolos, em que milhares de pessoas esperam por Ti, apenas por Ti, para te acenar e te dar força. Lembro-me de estar muito cansada e planear um momento de descanso com antes da entrada na Via Gladiola porque me tinham dito que a partir daí seria muito díficil parar. Tinha altas expectativas para os últimos km. Oferecem-me um gladíolo na entrada da Avenida e sabia que agora era para terminar. Apesar de muito cansada, foi a primeira vez que acreditei mesmo que ia conseguir acabar esta aventura.
A meio da Avenida passámos pelo hospital local de Nijmegen, onde muitos pacientes acamados foram trazidos na rua para nos poderem ver passar, como às vezes se faz no Natal dos Hospitais em Portugal. Caminhei 1km a ver pessoas gravemente doentes, a sorrir para mim, a dar-me força. Eu, que já estava despida de mim e dos meus problemas e das pequenas arrelias do dia-a-dia, chorei algumas lágrimas sozinha, e agradeci todas as dores e todo o cansaço, porque era sinal que estava saudável e com capacidade de caminhar.
Os prémios: Gladíolos e medalha!
O resto dos km foram uma brisa. Cheguei!! Passados 4 dias e 160km. Exausta, mas feliz. E ao recolher a minha medalha, foi uma das primeiras vezes na vida, que senti profundamente que não se fosse pelo apoio de todos os meus amigos e companheiros inesperados de caminho que jamais teria conseguido ter terminado esta aventura. A todos eles o meu sincero Obrigada!
Parabéns, Catarina! Vi imagens tuas de uma caminhada mas não fazia ideia do que era. è preciso realmente estaleca física mas, sobretudo, mental! Menos uma coisa na bucket list e, depois disto, as outras vão ser canja!
Obrigada! Sim, esta está feita! :)
Respect!
Obrigada!!!
É merecido. Não pode ter sido fácil! Eu não sabia ao certo o que eram estas caminhadas. Vi na altura nas notícias uns alertas a respeito por causa do calor que era esperado, mas não aprofundei o tema. Já agora, sabes de que se tratam aquelas caminhadas que em Junho se vê imensas crianças com os pais a fazer ao fim da tarde? Muitos dos miudos ate vão mascarados. Acho que era à quinta-feira que isto acontecia.
Lara, acho que é isto: O desafio do Avondvierdaagse | espresso and stroopwafel
https://espressoandstroopwafel.wordpress.com/2015/06/05/o-desafio-do-avondvierdaagse/
Sim, é mesmo isso. Obrigada.
[…] Para terminar o tema da grande caminhada de Nijmegen, não poderia deixar de escrever um post com dicas sobre como sobreviver e apreciar esta grande caminhada. Escrevo o post para todos os que possam estar interessados em fazer a caminhada de Nijmegen (ou outra grande caminhada) e também para mim, para colocar num sítio seguro tudo aquilo que aprendi não vá fazer jeito num futuro próximo: […]
Olá gostei muito deste artigo, imagino que nao tenha sido facil. Como e onde posso fazer as inscrições para fazer este desafio para o ano.