Uriel da Costa é possívelmente um dos judeus Portugueses emigrados para a Holanda mais conhecidos e celebrados pela luta que travou contra o obscurantismo religioso. Infelizmente a sua vida não foi um mar de rosas.
Uriel da Costa nasceu no Porto com o nome de Gabriel da Costa, numa família de novos cristãos – aqueles judeus que pela força da Inquisição no nosso país se viram obrigados a converter-se ao Catolicismo. Estudou Direito canónico e aos poucos alienou-se da doutrina católica e aproximou-se da antiga religião. Convence a sua família a voltar às raízes e a fugir de Portugal.
Por volta de 1615, procurou refúgio em Amsterdam com a mãe e quatro irmãos, todos gratos pela oportunidade de professar a sua fé judaica abertamente na comunidade Judaica ali instalada, proveniente da Península Ibérica (comunidade sefardita). A Holanda era até então um dos destinos mais tolerantes na Europa a refugiados religiosos, desde que cumprissem a regras locais.
No entanto, no espaço de um ano ou dois, Gabriel Da Costa, agora rebaptizado como Uriel, entra em desacordo com o rabinato sefardita de Amsterdam.
Em 1616 apresentou 11 teorias contra o judaísmo rabínico, que considera afastado da Bíblia, excessivamente ritualizado e hipócrita. Em 1623-24 vai mais longe e escreve uma publicação onde nega a imortalidade da alma. Uriel perguntava-se também se a lei de Moisés deve ser considerada como a lei de Deus. Nas suas próprias palavras “cheguei à conclusão de que não era nada mais do que invenção humana”. Foi preso e despojado dos seus livros, e, finalmente, expulso da comunidade.
Mesmo depois de excomungado, tentou integrar-se na comunidade judaica em Hamburgo, mas foi igualmente expulso. As suas posições teológicas valem-lhe novas acusações de blasfémia e de ateísmo.
Depois de mais de sete anos, ostracizado por completo pela comunidade e pela sua própria família, Uriel da Costa procura o reencontro e pede para ser readmitido na Comunidade judaica de Amsterdam. No entanto, a penitência a que foi submetido para ser reintegrado – 39 chicotadas e ser pisado por toda a comunidade, afectou-o profundamente e levou-o a cometer suicídio.
Acabava assim a vida trágica de Uriel da Costa, no entanto a sua visão racionalista e o seu espírito de pensador livre relativamente à sua própria religião, abriu caminho ao trabalho do famoso filósofo judeu Spinoza.
Este, teria entre 8 a 13 anos na altura deste trágico desfecho na vida de Uriel, foi também excomungado pela comunidade judaica na Sinagoga Portuguesa de Amsterdam anos mais tarde. Ainda hoje quando se visita a Sinagoga Portuguesa em Amsterdam é possível ver o veredito de expulsão de Spinoza.
Para muitos intelectuais desde então, Uriel da Costa foi um “herói de consciência” e pioneiro na luta contra a intolerância. Para outros talvez apenas um arruaceiro.
No entanto, e especialmente com os acontecimentos dos dias que correm – os extremismos religiosos a ficaram cada vez mais ameaçadores, e as opiniões sobre o extremismo religioso a ficarem cada vez mais polarizadas – acho que vale a pena olhar para exemplos de pessoas que conseguiram distanciar-se do obscurantismo religioso e pensar pelas suas próprias cabeças.
Existe outro membro famoso desta família Da Costa, que também importa falar, mas isso ficará para um próximo post.