Este fim-de-semana quando visitámos Delft, uma típica cidade holandesa, bonita e bem arranjada com os seus canais, perto de Den Hague, sem dúvida que queríamos explorar as origens da famosa porcelana Azul, que inundou a mente e o espírito de todos, sobre o que é a Holanda e ser Holandês.
A cidade de Delft é a sede de uma das fábricas originais do século XVII, que se manteve em produção até aos dias de hoje, e que conseguiu manter o processo produtivo original da porcelana, o que lhe valeu o selo de aprovação da casa Real Holandesa como Royal Delft. Desde então, os padrões antigos utilizados na decoração pintada à mão da porcelana, tornaram-se uma epidemia nacional tanto para o mercado de massas nos supermercados, como para as lojas de lembranças turísticas.
Foto: painel da fábrica Royal Delft com a assinatura da marca
Mas a origem desta porcelana, que hoje é um dos símbolos nacionais da Holanda, soa extraordinariamente inacreditável aos ouvidos sensíveis de uma Portuguesa. Em 1602 e 1604 piratas Holandeses capturaram 2 caravelas Portuguesas carregadas de Porcelana Chinesa. Estes lotes de porcelana foram leiloados em Middelburg e em Amsterdam por valores muito elevados. A Porcelana até então era quase desconhecida na Europa e estes leilões foram uma sensação nacional. Encorajada por este sucesso lucrativo, a empresa mais antiga do mundo, a East India Company, que apoiava os actos de pirataria a inimigos da Holanda, principalmente a Espanha, começou a importar porcelana chinesa. Assim surge o termo “kraakporselein” no dicionário Holandês, onde kraak, é uma reinvenção manhosa da palavra “Caravela”, as mesmas que tinham caído em mãos Holandesas carregadas de porcelana Chinesa. E assim entrou a porcelana na vida e no espírito Holandês.
Foto: um dos temas pintados na Porcelana de Delft
No entanto, os Holandeses só se viraram para a produção nacional, quando passados alguns anos a China entrou em guerra civil e o fluxo de exportação de porcelana decaiu substancialmente. Este é um dos momentos históricos em que se percebe o pragmatismo Holandês para os negócios, pois com uma procura crescente na Europa e uma quebra substancial no nível de importações, decidem sem hesitações começar a produzir internamente a sua própria porcelana Chinesa.
Copiou-se o estilo azul e a forma de produção, mas obviamente o resultado final nunca foi exactamente o mesmo. A porcelana Chinesa é fina e delicada, e este género de porcelana conhecida por Delft Blue ou Delftware, é substancialmente mais “abrutalhada” e na altura também mais barata, não podendo comparar-se à verdadeira porcelana Chinesa. Os motivos pintados na porcelana também mudaram substancialmente: motivos orientais e relacionados com o budismo, foram alterados para moinhos, campos de cultivo e canais holandeses.
Apesar deste pequeno pormenor técnico de qualidade, que para os Holandeses nunca passou de um pequeno pormenor, nada impediu que no século XVII Delft fosse um centro muito activo de produção de porcelana. Na mesma altura, esta porcelana era muitíssimo popular entre as famílias ricas, que exibiam as suas colecções umas às outras. No seu apogeu, existam 33 fábricas em Delft. De todas essas fábricas, a única que ainda resta é a Royal Delft que fomos visitar.
Foto: os moldes utilizados na produção da porcelana na Fábrica Royal Delft
E o mais interessante desta fábrica é perceber exactamente qual o processo produtivo desta porcelana nos dias de hoje. Tudo começa no molde, que se deixa a secar naturalmente. Depois é aplicado um género de um stencil pela peça que indica as linhas mestras da pintura que vai ser feita à mão por um dos artistas. A peça é pintada à mão mas numa tinta preta, que só depois de ir ao forno, e de se desencadear um processo químico, é que ganha os tons azuis pelos quais é hoje conhecida a porcelana.
Foto: as três fases de produção
E apesar de haver hoje uma linha de porcelana de Delft que já é feita de forma industrializada, a verdadeira porcelana de Delft, é ainda feita e pintada à mão. É preciso um ano inteiro de formação para se poder começar a pintar porcelana de Delft e mais 5 anos para se ser considerado um Mestre nesta tradição.
Foto: uma artista em produção
Por ser tudo feito à mão por Holandeses, os valores para 1 simples pires e 1 chávena rondam os 90€. Chegámos a ver alguns vasos que rondavam os 5.000€. E ironia das ironias, quem são os maiores compradores deste tipo de Porcelana? No final da visita, na loja, não havia sombra para dúvida que quem estava a abrir os cordões à bolsa, eram sem dúvida a malta do Oriente: Chineses e Japoneses. Não deixa de ser irónico porque estão a comprar uma das primeiras imitações baratas da sua própria arte, mas por preços milionários.
Foto: prato comemorativo do nascimento da Rainha Beatrix. Reparem no pormenor laranja!
Eu nem mesmo que conseguisse ultrapassar o facto histórico, que toda esta brincadeira surgiu de um acto de pirataria a barcos Portugueses, e mesmo que tivesse quantias exorbitantes para dar por um vaso, não sei se seria esta a loja escolhida para deixar o meu dinheiro. Não é que as peças não sejam bonitas, mas não são irresistíveis.
Foto: pratos Royal Delft comemorativos do Natal
Obviamente que quando falamos de preços, sabemos que existe a versão verdadeira com direito a selo real que se pode comprar naquela fábrica, e que depois existe a versão imitação barata que se encontra em qualquer loja de souvenires por toda a Holanda. E é aqui que entra a discussão se esta porcelana se trata de um tesouro nacional ou na realidade lixo de marketing. É que, ironia das ironias, hoje o centro de produção de toda a outra parafernália azul e branca que se encontra por aí, não é na Holanda, mas sim nas zonas de mão-de-obra mais barata do mundo, como a China. Ou seja, hoje em dia são as fábricas Chinesas que imitam a imitação Holandesa da porcelana Chinesa original. Confuso? Irónico? É a versão barata, da versão barata, neste mundo de consumo ávido.
Toda esta história me parece muito irónica, mas não deixa de ser divertida. Ao conhecer a história vemos melhor as voltas que o mundo dá!
[…] Obviamente que Delft é mais para além da Porcelana. […]
Bastante curioso sem dúvida! :) Obrigada pela partilha!
Adorei esta parte da historia,tuas conclusões….muito pertinentes.
Quanto a invasão chinesa em todas as áreas de produção…parece que eles estão retomando tudo que lhes copiado como nos mostra a história…..
Obrigada Isabel! Também achei super curioso :)
[…] então que Mobach é um autêntico quebra corações da Cerâmica Nacional. Talvez mais que a DelftBlauw? E se assim for, dou-lhes toda a razão! Apesar de não conseguir sentir o mesmo arrebatamento pelo […]
[…] batiques indonésios e a sua produção pelos holandeses para o mercado têxtil da Indonésia. (E a propósito de cópia holandesa lembrei-me mesmo agora deste outro artigo do blog) Mas, por engano ou design, estes tecidos receberam significativamente mais interesse no Oeste […]
[…] Mais em Delft: Quem estiver interessado em conjugar uma visita à cidade de Delft com uma visita ao Festibérico, podem ver posts antigos sobre a cidade aqui e aqui! […]
Adorei o teu artigo! Parabéns!! :)
Eu sempre acreditei que havia gato entre o Delftblauw e a nossa história!
Bem que tentei o Google/wikipedia, mas muito pouca informação!
Já pensas-te em escrever/acrescentares ao artigo já existente na Wikipédia? :)
Cumprimentos
Não sei se já escreves-te sobre o local Poortugaal, na região de Rijnmond, perto de Roterdão, é curioso de ver como o brasão deles, está relacionado com o nosso país. :)
Não, nem conhecia! Vou investigar. Estou a preparar um sobre azulejos. Descobri que muitos azulejos Portugueses foram feitos em Utrecht.
Fixe,
Depois irás publicar aqui no teu blog, não irás..
Boa Sorte,
Xau
Cumprimentos
B.Vieira
[…] A pequena cidade holandesa é um dos berços da tradicional louça. Foto: blog Espresso and Stroopwafel […]
[…] A pequena cidade holandesa é um dos berços da tradicional louça. Foto: blog Espresso and Stroopwafel […]
Obrigada por seu artigo e esclarecimentos sobre o assunto, muito útil e bastante claro, aprendi muito, sou grata.
[…] post conta mais sobre a visita a fábrica – e é muito divertido! Foi escrito por uma portuguesa, […]