Não pretendo analisar as questões sérias do futebol: as ligas, os campeonatos, os jogadores, as estatísticas de jogo e as probabilidades de quem vai vencer este ou aquele campeonato. Este texto é apenas sobre quem está na bancada. Porque só estar na bancada a assistir a um jogo é um grande choque cultural.
As diferenças são enormes entre os comportamentos dos espectadores que vão à bola em Portugal e os espectadores que vão à bola na Holanda. Consegui fundamentalmente discernir três grandes:
- Inexistência de treinadores de bancada Holandeses
- A primeira tarefa de um fã de futebol na Holanda é gozar com o próximo
- Qualquer manifestação positiva ou negativa exprime-se através de um gutural “UUUUU”
Analisando ponto a ponto
1. Inexistência de treinadores de bancada Holandeses
Pois é, em Portugal vai-se ao Estádio e têm-se sempre uma opinião. Todos os adeptos têm uma opinião sobre tudo e sobre como tudo poderia correr muito melhor no jogo. Há opiniões sobre a arbitragem, opiniões sobre as opções do treinador, opiniões sobre a performance dos jogadores, opiniões sobre substituições e opiniões sobre as condições de manutenção do relvado e das instalações.
Essas opiniões são partilhadas de forma aberta e são o tema central de animadas discussões antes, durante e depois do jogo. As pessoas que assistem a futebol em Portugal, gostam também de gritar conselhos aos jogadores das bancadas sobre estratégia de jogo do tipo: “Vira o jogo, puto!!”, “Passa a bola!”, “Não vês que o não sei quantos está livre??!”, “Joga para meio canto”, “Chuta, chuta, chuta”, e também sobre o ritmo do jogo “Vai rápido!!!”, “Agora com calma, com calma!”. Gostam ainda de reforçar as opções do árbitro: “Estava-se mesmo a ver que era penalti”, “Mas obviamente que estava em fora de jogo”, etc etc.
Na Holanda, não. Na Holanda, não há qualquer manifestação sobre performance e não se grita conteúdo absolutamente nenhum das bancadas, porque, e isto leva-nos ao ponto 2, a primeira tarefa de um fã de futebol na Holanda é gozar com o próximo.
2. A primeira tarefa de um fã de futebol na Holanda é gozar com o próximo
É isso mesmo, a primeira função de um fã de futebol na Holanda é dedicar-se ao escárnio. Gozar com o próximo, em primeiro lugar, com os jogadores da equipa adversária, depois com os jogadores da própria equipa. É uma tarefa que ocupa grande parte dos 90 minutos de um espectador de futebol Holandês, sendo a segunda ir buscar cerveja ao bar.
Por isso, ao contrário de um Português que fica sério a analisar um contra-ataque falhado da equipa adversária, manifestando alguma preocupação com alguma, mesmo que pequena situação de perigo que se tenha ali gerado, aos colegas do lado, um Holandês põe os braços em frente, começa a tremer e diz “Uuuuuh, isso foi assustador”, usando e abusando daquela figura de estilo que se chama…isso mesmo, “ironia”! Toda e qualquer investida da equipa adversária que não represente grande perigo, é acompanhada de uma gargalhada geral, braços para cima, e um “Uhhhhh, estou a tremer!”
Os cânticos de apoio também se apoiam no gozo, e o tema central das canções envolve a palavra “Homos” e o nome da equipa adversária. Quando a nossa equipa está em vantagem em vez de se gritar “Só mais um”, começam com as mãos a dizer adeus à equipa adversária.
Mas os próprios jogadores da equipa não estão a salvo. Gritam-se alcunhas, goza-se com o cabelo ou com a estatura do jogador. Ninguém está a salvo, especialmente aqueles com nomes especiais.
E é isto, sem comentários e sem análises, só com gozo, gestos e vocalizações guturais. O que nos leva ao nosso terceiro ponto.
3. Qualquer manifestação positiva ou negativa exprime-se através de um gutural “UUUUU”
Não existe um “Eeehhhh”, não existe um “Uiiiii”, não existe um “Aiiii”. A expressão clássica “Não se ouviu nem um ai nem um ui” exprime bem a sonoridade que se faz sentir num estádio holandês, não que seja silêncio, mas sim pela ausência de diversidade sonora. A forma de expressão escolhida é sempre um singelo “Uuuuuu”, seja num lance de ataque, seja numa defesa, num fora de jogo ou numa jogada para canto. É a única coisa que precisam de dominar se quiserem integrar-se numa massa de adeptos holandeses é terem o vosso “Uuuuu” muito afinadinho.
Com isto, posso dizer que ir à Bola a um Estádio na Holanda, lembrou-me um cenário de um barco de piratas: bebe-se muita cerveja, goza-se muito com outros e a grita-se monossílabos sem qualquer conteúdo. Mas que foi divertido, lá isso foi!
O resultado ficou FC Utrecht 3, Breda 0. Adeus “Homos” de Breda!
Os estádios não estão cheios de consultores sempre prontos a opinarem, apenas Malta que se quer divertir a ver a bola enquanto bebe umas cervejas!